Para onde caminhamos?
O escritor e poeta João de Deus Rodrigues
Estamos no mês de Novembro. No passado dia 11, foi dia de São Martinho. O santo, fidalgo, que quando passeava pelo campo, montado no seu cavalo, encontrou um pobre velhinho, a tremer de frio, e lhe deu a sua capa bordada a ouro, segundo nos conta a Lenda. É também neste dia que manda a tradição que se prove o vinho novo, acompanhado pelas saborosas castanhas assadas, que tão bem se criam na minha região transmontana. E este ano, esteve um dia lindo de sol. Fazendo jus ao ditado popular, do verão de S. Martinho.
O São Martinho já tinha ficado para trás, já era passado. Da sua Lenda já ninguém fala, nem mesmo os professores na escola. Como fazia o meu, quando nos contava a Lenda e ficávamos a imaginar um fidalgo rico, a cavalo num cavalo, a dar a capa bordada de ouro, a um pobre velhinho que encontrou no caminho a tiritar de frio…
Eram, de facto, outros tempos… Mesmo num meio rural, como aquele onde nasci. Onde, nesta altura, os jovens faziam a zunga e o zangão e iam brincar com eles para o adro da capela de São Sebastião.
Mas ontem estávamos num dia aziago, para uns, e de sorte, para outros. Foi sexta-feira treze. Dia que sempre considerei igual a outro dia qualquer da semana. Não fosse os Média fazerem-lhe publicidade, para entreter as pessoas, e eu nem dava por eles. Como aconteceu ontem, quando fui à capital, sem me lembrar dessa coincidência, até que ouvi um cauteleiro, já coisa rara nos tempos que correm, a apregoar: “quem quer o treze?! Hoje é sexta-feira treze, compre uma cautela, freguês…” E foi então que me lembrei do dia das bruxas…
No dia anterior tinha estado na Fundação José Saramago, no lançamento do livro “MAIS PATRIMÓNIO – Vida e alma por trás das pedras”, do meu amigo escalabitano, escritor José Miguel Noras, do qual tinha falado a um amigo, ausente de Lisboa, que me pediu para que fosse lá comprar um exemplar para ele.
Foi este o motivo que me levou à capital. Ao passar pelo Rossio comprei uma dúzia de castanhas assadas e, sem cerimónia, comi-as em frente da antiga delegação do Diário de Notícias, onde passei algumas horas, nos anos sessenta, a ver passar anúncios luminosos, na fachada virada para a Praça D. Pedro IV.
E foi assim que passei a tarde. Depois regressei a casa, e fui dar continuidade ao poema que estava a escrever “ um dia passado num hospital”, até que a esposa me chamou, para ir jantar.
E foi a partir das vinte e duas horas que a televisão começou a difundir imagens e dar notícias da tragédia que se estava a desenrolar em Paris, na capital francesa.
As primeiras imagens fizeram-me recordar os massacres do Jornal Charlie Hebdo, em 7 de Janeiro de 2015, e as dos comboios em Espanha, em Março de 2004. Onde morreram duas centenas de homens, mulheres e crianças, que não tinham nada a ver com a causa por que os terroristas fizeram aquela chacina.
Então, tal como nessa altura, interroguei-me. Meu Deus, a sociedade actual está doente! Há quem queira acabar com a Civilização Europeia, e não só, e não olhe a meios para atingir esse fim. Como é possível alguém fazer barbaridades destas, a seres humanos?! Gente pacífica que estava a divertir-se, vendo jogar futebol, ou a assistir a um concerto musical, numa casa de cultura!... Ou, pura e simplesmente, ia a passar na rua, a caminho de casa e da família, e é assassinado assim, sem ter culpa, por alguém que mata um seu igual, em nome de Deus?!
Com estas imagens na retina deixei a esposa sozinha, a ver polícias e ambulâncias em Paris, e a ouvir anunciar, hora a hora, o número, cada vez maior, de mortos e feridos desse bárbaro atentado à Liberdade e à segurança de pessoas pacíficas que saíram de suas casas, e foram para o sítio errado, na hora errada.
O efeito emocional das imagens não me deixava concentrar na poesia. Até a Musa ficou tão triste, que se recusava a colaborar comigo. Desliguei o computar, desci, e fui novamente para junto da esposa, que continuava de olhos pregados na televisão, fazendo zapping… Cada canal aumentava o que ainda, ao certo, ninguém sabia sobre o número de mortos e de feridos. É isso, o que fazem as audiências...
Era uma hora da manhã quando me fui deitar. Mas, adormecer não havia maneira. Foi então que comecei a pensar nos muçulmanos, no Corão, no Koweit, no Iraque, na Síria, em Israel, na Palestina, no Irão… Numa reunião havida nos Açores. Nos Estados Unidos da América, na Inglaterra, na Rússia… Até chegar aos lugares sagrados, onde nasceram as civilizações mais antigas de que há conhecimento. E foram o berço de Abraão e de Moisés, de Cristo e da Cristandade, e de Maomé e do Corão…
E terminei a pensar no ouro negro que, infelizmente, está debaixo do solo dessas regiões. O qual, penso eu, é o causador do que se está a passar no mundo. Pois, como está provado, hoje o ser humano não vê mais nada que é o malfadado deus dinheiro, como já lhe chamou o Papa Francisco!
Adormeci, já passava das cinco horas e acordei às oito da manhã. Com a certeza que a minha meditação, sobre a causa da minha insónia, em nada ia mudar o mundo. Que tudo continuará a ser igual, até que a Providência Divina se encarregue de tomar conta das pessoas que matam outras pessoas, por ignorância e fanatismo, em nome de Deus!
João de Deus Rodrigues
Charneca de Caparica,14 de Novembro de 2015