Montalegre: a Catalunha portuguesa (?)
O reeleito executivo da Câmara de Montalegre, por distracção, por sobranceria ou para demonstrar a sua força política, programou e cumpriu o ato de posse, em clima de euforia tal que, a meio da tarde, houve descargas de foguetes que se ouviram nas aldeias vizinhas, para além da vila, sede do concelho. É bizarro que num concelho onde 80% das povoações não têm saneamento básico e onde o despovoamento rural é incessante, se celebre uma vitória eleitoral autárquica com foguetes, tanto mais que nos quatro dias anteriores e seguintes a vaga de incêndios provocou 45 mortes. Pior: o governo decretou e o PR promulgou três dias de luto nacional dias 17, 18 e 19, tal como fizera em Junho, em idêntico holocausto, em Pedrogão Grande e Castanheira de Pera. Montalegre marimbou-se para esse luto nacional, festejando, no preciso dia 18, a vitória da ostentação, da vingança e da velhacaria.
A primeira reunião de Câmara deste novo mandato ficou marcada pela apresentação de queixa, pela infracção cometida, provavelmente, por gente do PS, que não conteve a sobranceria política. Manifestando-se través dos foguetes, imediatamente a seguir ao opulento almoço festivo, pago, certamente, pelos dinheiros da autarquia para cerca de trezentas pessoas, incluindo convidados e simpatizantes do partido que há 28 anos administra a Câmara, cometeu viários erros.
Carvalho de Moura, líder da força derrotada, que já no debate radiofónico pré-eleitoral, fora fustigado com a arrogância que Orlando Alves, repetiu, em seis paginas do discurso de posse - um documento histórico pela negativa, numa ocasião em que deveria prevalecer a pacificação para os quatro anos de mandato - ouviu o chorrilho de palavrões do Presidente da Câmara. A democracia tem destas encruzilhadas. O vencedor nas urnas, por ser mais novo 13 anos, do que o vencido, nunca poupou o adversário dos anos oitenta, que estivera em situação inversa, como presidente. Fora o primeiro presidente eleito durante três mandatos. Era tempo de vacas magras, ao contrário de hoje, em que o dinheiro sobra e dá para gastar à tripa forra, sabendo-se que a União Europeia não tem comissões fiscalizadoras para investigar o destino dos fundos comunitários. Basta o exemplo da Ponte da Vergonha, na qual se gastaram mais de 500 mil euros, entre duas margens de um rio que seca no verão e que nunca lá passou, nem passará, qualquer viatura. Daqui a um século, para as gerações vindouras, esse cancro estará entre silvas e arbustos silvestres. Um ou outro pastor de ovelhas, pensará que se trata de um achado arqueológico, de uma ponte romana ou de uma anta mourisca, onde se escondem as bruxas, cartomantes ou tarólogas endemoninhadas que endeusaram o Padre Fontes que as descobriu na clausura do deus Larouco.
As terras de Barroso dão para tudo, até para palco de romances como o Terra Fria, para centro de congressos das ciências ocultas, onde o sagrado e o profano se entrelaçam, ou ainda para ensaiar o paganismo mais concorrido, graças aos dons satânicos do mais mediático clérigo que as Terras de Barroso pariram, como o demonstram «as sextas-feira 13» em cada mês de coincidência temporal.
Depois do tempo de S. Bartolomeu dos Mártires que por aqui andou, esta região serviu para consagrar criativos das artes que marcam os progressos do conhecimento. Aquilino chamou-lhes Terras do Demo, Ferreira de Castro baptizou-as como Terra Fria, Miguel Torga preferiu trata-las por «reino maravilhoso». A quem aqui nasce, custa-lhe a abrir os olhos. Mas logo que desperto, faz-se a vida; enfrenta-a com estoicismo, vai à luta com lealdade, dá a camisa do corpo pela sua gente e pela sua grei. Mas sempre há excepções que escapam à selecção natural. Essas excepções, por vezes, atingem patamares alheios que acabam por ruir ao menor vento.
O lamiré deste ensaio quase burlesco remete-me para o tema da indignidade. A política é uma arte traiçoeira. Não pelo significado semântico mas pela simbologia do eco que, em termos militares, se chama ricochete. De tão repetido, sem conteúdo heurístico, cansa e enerva quem merece que o deixem em paz e sossego. São cassetes gastas e regastas, que acabam nas lixeiras nauseabundas.
«O luto nacional visa relembrar ou reflectir sobre a morte de alguém que em vida teve acção significativa para o país ou homenagear as vitimas de catástrofes que provocaram grande numero de vitimas. O luto nacional de três dias decretado pela ocorrência do evento de excepcional relevância como os incêndios de Pedrogão Grande, Oliveira do Hospital e até o histórico Pinhal de Leiria são disso exemplo».
«Compete ao Governo decretar o luto nacional sob a forma de Decreto, submetido a promulgação do presidente da Republica. Durante os dias de luto nacional a Bandeira deve ser içada a meia-haste, em todos os edifícios públicos e encontram-se impedidos todos os festejos organizados ou promovidos por entidades publicas, devendo os mesmos, consoante o caso, ser cancelados ou adiados. Ou seja, entidades políticas, incluindo partidos políticos, são obrigadas a cancelar iniciativas». In Noticias do Funchal, 18/6/2017.
O Governo de António Costa decretou. Marcelo Rebelo de Sousa promulgou. Muita gente chorou. Nos nos jogos de futebol guardou-se um minuto de silêncio. A dor falou mais alto.
Montalegre, que mereceu um programa especial da RTP «Sexta às 9», dia 6 de Outubro, mostrando políticos de Montalegre a arrebanhar emigrantes, como quem vai numa excursão a Fátima, talvez por isso, numa espécie de ricochete à RTP e a quem viu essas imagens, estando proibido, nesses três dias de luto nacional, não só festejou o triunfo, como se preveniu com pirotecnia adversa aos incêndios, como gastou esses foguetes, ao ar livre e em tom provocatório.
O Ministério Publico deverá agir na proporção da gravidade. Deverá averiguar se os autores da proeza que facilmente serão identificareis obtiveram a licença que é obrigatória e, a mando de quem cometeram essa leviandade.