Por Barroso da Fonte:
Nasceu Miguel Torga em 12/8/1907 e faleceu em 17/01/1995. Já passaram 22 anos. Parece que ainda estou a vê-lo no meu Austin 1100, a caminho de Serraquinhos (Montalegre), onde fomos almoçor, a convite do seu amigo de caça, o popular Padre Joaquim Alves. De Chaves saimos três: o médico Mário Carneiro, o Padre Augusto Moura e eu proprio. O director das Termas de Chaves que tarda em ser homenageado como «pai» das renascidas instalações balneares, desde há duas décadas hospedava, na sua Casa da Rua Direita , o Dr. Adolfo Correia da Rocha. Este sempre vivera «da boleia», ora para o estrangeiro, ora no seu próprio reino Maravilho. Fora assim nas termas do Geres, nas Águas de Carvalhelhos e, naquela altura, nas Águas de Chaves. Nada pagava nos tratamentos, tinha comida e dormida, de graça, na casa pessoal do então diretor Mário Carneiro.
Foi este que mo apresentou em carne e osso para o «entreter», enquanto MC, tinha de cumprir o seu trabalho. O pequeno almoço era tomado, em grupo, no então Café Comercial. Pelas 15 h MC deixava-nos e era eu que, timidamente o «entretenha». Por essa altura apresentei-o ao Fernando de Magalhães Gonsalves que tinha ganho o 1º prémio nos Jogos Florais de Chaves que eu passei a organizar, desde 1978. Foi esse estudo sobre o Telurismo na obra de M. Torga que os tornou amigos para o resto da vida. F.M. Gonsalves foi, segundo Torga, o ensaista Português que melhor interpretou a obra Torguiana. Só a morte de Magalhães (aos 43 anos) os separou. Mas a Mulher, em homenagem a essa Amizade, fundou a editora Tartaruga e, com essa marca vieram a publico cerca de dez livros, que Manuela Morais guarda entre cerca de 250 cartas ineditas e muitas dezenas de recortes e fotos, que a vida lhe reservou.
Falta na minha biblioteca apenas a «Ansiedade», da obra de Torga. Mas tenho, em compensacçao, sete cartões pessoais que recordam as nossas surtidas a Verin, a Serraquinhos, ao Santa Cruz, a Boticas. Numa dessas viagens a Barroso, passamos em Casa de meus Pais, em Codeçoso , onde se travou um diálogo entre os dois médicos e minha Mãe, enquanto ela nos serviu, de merenda umas chouriças, em expostas nos lareiros e um caldo de couves. Deste relacionamento, para mim inesquecível, editei um pequeno opúsculo de que me servi para papel de carta. Chamei-lhe Torga e eu. Os 5 mil exemplares foram-se. E preparo uma reedição aumentada para o mesmo efeito. Os sete cartões que me dirigiu afrontaram Mário Carneiro a quem Torga nunca concedeu um autografo. Durante cerca de 30 anos nunca Torga lhe pagou, fosse o que fosse em troca da hospedagem. Contentava-se com um autografo que nunca chegou. Reparo - só agora - que no prefacio do opusculo «Bichos», saido em 10ª edição. No Plano Nacional de Leitura (2016): «não se pagam gentilezas com descortesias, e eu sou instintivamente grato e correto». Os grandes também escorregam...