Vila e concelho de Ervededo (Chaves) em livro de
De Barroso da Fonte
Dos cerca de 30 mil títulos que compõem a biblioteca que construí ao longo de meio século, há alguns especiais. Esses foram escritos por meus colegas do seminário, uns que já partiram, como: António Cabral, Nelson Vilela e Luís Coutinho; outros ainda vivos e ativos, como é o caso de Alípio Martins Afonso, Manuel Carvalho Martins, Lourenço Fontes, Armando Jorge e tantos outros a quem muito devo pelo muito que com todos aprendi. Refiro Fontelas, Perfil monográfico, 1970 que conservo como relíquia, tal como essoutros de meus condiscípulos que citarei noutra altura. O Alípio nasceu em Mairos, 7 anos antes de mim. Quando cheguei ao Seminário já ele usava batina e o recreio do meio, não permitia que convivêssemos tanto. Mas já ele se distinguia pela propensão para a escrita e para a história em que veio a licenciar-se na Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Este Flaviense Transmontano sempre me serviu de referencial, quer como seminarista, quer como leigo, chegou a ordenar-se e a ser um pároco exemplar. Como eu poderia ter feito se tivesse prosseguido, ao fim de dez anos, certamente teria abandonado, como ele fez, por razões de liberdade religiosa. Talvez eu – se o tivesse feito – não conseguisse ser tão bom católico como ele tem conseguido sê-lo, como marido e como pai. E é por isso que admiro, muito, aqueles que, tendo frequentado o seminário e tendo-se ordenado, souberam manter a mesma fidelidade social, cultural e religiosa, como se tivessem continuado a opção clerical. Com grande dignidade, ele e vários outros que fizeram o mesmo, me edificam sempre que os olho e os reconheço, irrepreensíveis cidadãos em plenitude.
Teria que dizer isto publicamente, porque nunca me arrependi de ter abandonado e sido o que fui e como sou, sem moral para repreender seja quem for. Com todos aprendo e com quase todos, concordo. Mesmo com aquele me repreendeu em público, por causa de uns versos que fiz a uma amiga que mos pediu e que a mãe (dela) fez chegar às suas mãos. Preferi sair antes de ser expulso. Mas ele abandonou, casou e, já na qualidade de viúvo, requereu o regresso aos altares. Não lhe quero mal. Mas talvez ele que ainda é vivo, se lembre do ziguezague que fez e que foi mais sinuoso do que o meu.
Volto ao «livro de ouro» que o Prof. Alípio Martins Afonso editou em Março último e ao qual chamou «a vila da Torre e o Concelho de Ervededo». São 304 páginas deliciosas. Considero este seu livro, a obra que marca as «bodas de ouro» de autor. Como historiador profissional merece todos os elogios científicos. Tive o cuidado de ler com atenção tudo o que tem a ver com as primeiras informações, factos, datas e contextualizações historicistas. Recuou o investigador ao ano marcante da nacionalidade Portuguesa: 1096. Foi este o ano do casamento do Conde D. Henrique com D. Teresa. Com esse casamento restaurou o pai da noiva, o primeiro Condado Portucalense que fora confiado a Vímara Peres (em 868), como prémio da reconquista cristã e que terminou com o nono conde, Nuno Mendes, (em 1071), na Batalha de Pedroso, contra o Rei Garcia. 25 anos depois voltou esse território portucalense, Entre os rios Douro e Minho, a ser subtraído ao Reino da Galiza, para servir de dote a D. Teresa e a seu marido o Conde D. Henrique. Desse casamento nasce Afonso Henriques que na Batalha de S. Mamede, em 24 de Junho de 1128, cumpre o sonho do Pai (falecido entre 1112 e 1114, mas que a Mãe preferia manter galego, para gáudio do seu amante Fernão Peres de Trava. Obviamente, as fronteiras desse Condado, só mais tarde foram acertadas a norte e a nascente.
Nesta obra fala-se, sobretudo em divisões religiosas que, ao tempo, eram mais importantes do que as civis. A primeira referência à Paróquia de Ervededo, aparece em 610. S. Martinho de Ervededo, (padroeiro da Igreja Matriz). Fora condiscípulo do Teólogo Santo Agostinho. Por essa altura era a sede mais importante, em termos de poder religioso. O Couto de Ervededo devia obediência a Braga. Mas Ourense disputava-o. Neste livro se explica,exemplarmente, a evolução independentista do território Portucalense e do papel que as Terras a norte de Chaves tiveram no contexto do Reino.
Tudo o que decorre neste volume passa a ser uma fonte de citação obrigatória. Fazia falta. Esta matéria deveria ser de leitura obrigatória das escolas públicas. Porque quem aqui nasce, vive e gosta de viver, deve ter o direito de conhecer os bons e os maus relacionamentos que houve entre povos irmãos. Só pelo tratado dos limites se estabeleceram as fronteiras. Mesmo assim foram acertos aos ziguezagues e os «povos promíscuos», ainda mal conhecem as razões de serem do lado de cá, ou do lado de lá, quando se sabe que há cerca de 200 anos, pertenciam ao lado contrário do que hoje têm. A região do Alto Tâmega que se inscreve na zona de influência das vias romana, das termas de Chaves e Carvalhelhos, dos castros de Curalha, Pedrário, S. Vicente, dos centros urbanos de Grou, Gralhas, Ciade, Caladuno, de Braga, de Lugo e de Astorga são lugares comuns no período medieval.